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Só temos um oceano com que nos preocupar

Por Nicolau Ferreira
  Hoje é Dia Mundial dos Oceanos e as Nações Unidas criaram um painel de especialistas para discutir o tema. O P2 falou com eles. O ambiente, a economia, a juventude, os impactos sociais. São unânimes: a humanidade está a pressionar o único mar da Terra e ninguém se pode desresponsabilizar
Há séculos que a humanidade sabe que a Terra é redonda e o mar uno, um só, mas parece que é preciso reaprender todos os dias. Bill Mott, director de The Ocean Project, trabalha diariamente para que as pessoas tenham consciência do oceano e se lembrem de que os gestos diários se repercutem na saúde deste, sabendo que uma saúde do mar debilitada bate à porta de todos, mesmo dos que estão a milhares de quilómetros da costa. "Queremos que as pessoas mantenham o oceano em mente no que quer que estejam a fazer", diz por telefone ao P2. Talvez hoje, por ser Dia Mundial dos Oceanos, esteja mais perto do que quer. Ou talvez não.

Mott, que defende que a melhor forma de conservar os oceanos é educar a juventude (lá chegaremos), fala hoje em Nova Iorque a convite das Nações Unidas. A organização instaurou este Dia Mundial em 2008 e, desta vez, organizou uma conferência em que especialistas falarão sobre ambiente, o impacto social dos oceanos, a ligação destes à economia.

A atenção das Nações Unidas tem toda a razão de ser. Maria Teresa Pessôa começa a conversa a partir de Nova Iorque, enumerando os problemas relativos ao oceano. Não são poucos. De todos, sem excepção, o homem é o culpado: "Perda de habitat, perda de recifes de coral, pesca não sustentável, métodos e artes de pesca insustentáveis, práticas de pesca e instrumentos não selectivos que causam morte de espécies que não são alvo, a poluição marítima que se origina na terra [80 por cento da poluição nos oceanos], a poluição por óleo nas rotas tradicionais de transporte de petróleo, a acidificação dos oceanos e a elevação do nível do mar, que se verificam como resultado da mudança do clima." A especialista faz parte da missão permanente do Brasil para as Nações Unidas e no painel de discussão ficou com a pasta do ambiente."Os oceanos são a fonte original da vida, eles sustentam tantos aspectos da vida - desde o clima, a alimentação, o ar, a nutrição, o emprego - que é impossível captar o significado total; eles sustentam a vida humana", explica por sua vez Chandrika Sharma, que vai falar sobre o impacto social dos oceanos.

Sharma pertence ao grupo da Índia chamado Colectivo Internacional em Apoio aos Pescadores, está em contacto com as pequenas comunidades pesqueiras e apercebe-se dos desafios enormes que todos os problemas enumerados por Maria Teresa Pessôa estão a criar. Erosão do solo, urbanização, poluição...

"Milhões de pessoas dependem do peixe e de actividades relacionadas para viver. É uma parte da cultura, da maneira de viver", diz. "Estas populações interagem há séculos com a paisagem costeira, conhecem-na."

E dependem dela, mesmo com os números de peixes de cada espécie a diminuir. "A economia é crucial para os oceanos porque o comércio do peixe dá lucro. É importante perceber isso para encontrarmos maneiras de utilizar os oceanos de forma sustentável", explica Rashid Sumaila, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.

Segundo Sumaila, que nasceu na Nigéria, a grande discussão entre cientistas é se o cenário é negro ou muito negro. "Assim que todos concordarem que existe uma sobreexploração do peixe, podemos passar à acção", defende o especialista, que diz ter visto em todo o mundo sinais claros desta exploração. "No Dubai, das oito espécies locais que são apanhadas, houve uma diminuição de 80 por cento nas últimas duas ou três décadas."

Educar, educar, educar

Na conferência das Nações Unidas, Sumaila vai falar sobre os oceanos e os aspectos da economia. "Vou focar-me em como a economia local de pesca pode tornar-se insustentável quando há uma gestão não eficiente da actividade piscatória que leva à sobreexploração", explica. Este investigador está especialmente preocupado com a falta de alternativa e capacidade de resiliência das comunidades piscatórias, especialmente as africanas - aquelas que conhece melhor.

Segundo Sumaila, é preciso "educação, educação, educação" para estas comunidades. "Educação em termos de competências: estas comunidades precisam de enfermeiros, professores; a maioria da população vai trabalhar no oceano, é preciso guiar as pessoas para outras actividades", explica.

É um ensinar diferente do que Bill Mott propõe. Há 12 anos que The Ocean Project está a tentar perceber qual é a melhor forma de tornar as pessoas pró-activas na defesa do oceano. A organização tem um lado direccionado a um "vamos lá reduzir a pegada ecológica" que toca nos mais variados comportamentos, desde o "compra local", o "não imprimas" e o "anda de bicicleta" até ao "não vamos à conferência X porque fica do outro lado do mundo e não é assim tão importante". Tudo isto é importante na conservação dos oceanos, defende.

Chamar os jovensMas o trabalho central do projecto é a investigação. "Estamos a tentar compreender como é que as pessoas pensam os oceanos", diz Mott, acrescentando que o grupo fez a maior investigação sobre o tema, maioritariamente entre população norte-americana.

E é aqui que entram os jovens: "Até agora pensava-se que as campanhas de mudanças de comportamento deveriam focar-se nos adultos, mas a investigação que fizemos mostra claramente que o dinheiro deve ser direccionado para a faixa entre os adolescentes de 13 anos e os jovens adultos universitários, no início dos 20, antes de saírem para o mercado de trabalho." Segundo Mott, o comportamento dos adultos é muito difícil de alterar. "Vemos isso nas campanhas antitabaco ou para a dieta."

Este tipo de informação é utilizado pelos museus, aquários e jardins zoológicos com que The Ocean Project se relaciona e que, por sua vez, estão em contacto directo com o público. A organização dá ferramentas e recursos a estas instituições de forma a que passem uma mensagem mais eficiente aos visitantes sobre os comportamentos e acções que devem tomar em relação aos oceanos.

Trata-se de mudar o alvo. "Gastamos tanta energia nos adultos, [mas] é importante focarmo-nos na juventude. A juventude protesta, mobiliza-se online, há imensos exemplos de acções por parte da juventude que foram eficientes", diz Bill Mott, que defende uma educação hands on, literalmente "mãos na massa". "As pessoas aprendem quando estão envolvidas, quando estão a ajudar na solução."

Mas cada caso é um caso. Chandrika Sharma defende que as soluções para o problema do mar têm de passar irremediavelmente pelas populações locais. "Há uma miríade de casos e de problemas, e há uma miríade de populações", diz a especialista, que é contra a sanitização dos ambientes, numa recuperação puritana dos ecossistemas.

No caso da protecção dos ecossistemas pesqueiros, nada se vai conseguir sem o envolvimento das comunidades piscatórias. "As pessoas fazem parte dos ambientes e são parte da solução", diz, referindo, por exemplo, que as comunidades conhecem os ambientes, estão atentas às mudanças e têm, de certeza, ideias para soluções.

Há ainda um "regresso ao futuro", de recuperação de métodos tradicionais, que é defendido pelas Nações Unidas e sustentado pelos séculos de experiência de técnicas piscatórias muito mais ecológicas do que as actuais frotas pesqueiras.

Por detrás de todas estas alterações são necessários governos com boas leis jurídicas a proteger as zonas costeiras, governos que implementem essas mesmas leis. Aliás, um dos termos mais repetidos por Maria Teresa Pessôa é mesmo "implementação". "A implementação é a palavra-chave dos dispositivos já existentes", explica a especialista. Existe uma rede jurídica que prevê tanto a protecção das espécies pescadas como o estabelecimento de princípios gerais de precaução e a avaliação de impactos ambientais.

Mas há também uma questão de equidade referida por esta especialista e sem a qual a protecção global é muito mais difícil. Se só existe "um punhado de países que têm acesso aos recursos marinhos e patenteiam esses recursos, e se outros países não podem chegar a esses recursos para fazer pesquisa científica, então não há equidade", explica a investigadora, sublinhando que não adianta dizer a uns que têm e a outros que não têm acesso. "Os oceanos são um todo, eles comunicam-se entre si, envolvem uma rede de interacções complexas, 70 por cento da superfície do globo é oceano. Se não for através da equidade e da interacção, não podemos atingir a conservação", diz.

Mas há incógnitas. Ninguém sabe muito bem como resolver assuntos como a acidificação dos oceanos ou o aumento de temperatura causado pelas alterações climáticas. "As alterações climáticas vão redistribuir as espécies de peixe pelo mundo. [Com a subida da temperatura] os peixes tropicais vão para outros locais, mas é nos trópicos que as pessoas estão mais dependentes desta fonte de alimento. As pessoas vão-se mover", explica Rashid Sumaila, acrescentando que a Europa vai sentir esses fluxos. Contudo, para Chandrika Sharma, as incógnitas não devem impedir que se aja o mais rapidamente possível: "Tudo acaba no oceano. Mesmo que se esteja a centenas de quilómetros, as pessoas precisam de saber quais são as ligações e o que devem fazer."


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